Toda a gente lembra-se da Wii U, certo? Aquela consola que ninguém tinha a certeza que existia. Lembro-me de ver a Wii U na minha Fnac local, relegada a um canto à beira da cafetaria, não funcional a maior parte do tempo. Teve alguns jogos muito bons, mas já foram praticamente todos adaptados para a Switch, como o Pikmin 3, New Super Mario Bros. U, Super Mario 3D World, Legend Of Zelda: Breath of the Wild, Splatoon, … Haverá sequer algum motivo para ter esta consola?
A Wii U é sobretudo lembrada pelo Gamepad: o comando com um ecrã gigante no meio. Posso dizer por experiência que não é desconfortável de todo de se usar. Na parte detrás tem umas concavidades que permitem segurar confortavelmente a besta. É um comando pesado, portanto recomendo usá-lo com algum apoio, como uma secretária. A bateria é o seu maior ponto fraco, sendo que mal aguenta 3 horas até ficar sem carga. Pior, se deixares o Gamepad parado durante uma semana, mesmo com a carga total da bateria, irá invariavelmente descarregar. Isto faz com que jogar Wii U seja uma decisão que tem de ser feita antecipadamente. Não é possível ficar uns tempos sem jogar e de repente voltar a pegar sem antes ter em consideração o Gamepad e a sua bateria.
Tecnicidades
Em termos de poder computacional é mais ou menos equivalente à geração de consolas anterior com a PS3 e a Xbox 360. Pelo que estive a ler na Net, a parte mais fraca do sistema no geral é o processador. De facto, convém saber quais são os principais componentes que constituem a consola antes de entrarmos em mais detalhe:
- CPU: 1.24 GHz Tri-Core IBM PowerPC “Espresso” com 3MB cache L2
- GPU: 550 MHz AMD Radeon-based “Latte”
- RAM: 2GB DDR3
- Armazenamento: 8GB~32GB (dependendo do modelo), expansível com um cartão SDHC até 32GB ou um HDD externo até 2TB
- Conectividade: 4 portas USB 2.0; Wi-Fi 802.11 b/g/n; Bluetooth 4.0
Logo à partida, o sistema contém bastante memória RAM. Em comparação, a PS3 só tinha 256MB de RAM (com mais 256MB dedicados ao GPU) e a Xbox 360 512MB. No entanto, 1GB é dedicado ao SO da consola, deixando só 1GB disponível para jogos, e não podemos esquecer que a consola tinha essencialmente de construir a imagem para dois ecrãs: o da televisão e o do Gamepad, portanto esta vantagem acaba por ser um pouco nula. O processador é baseado na arquitetura PowerPC da IBM (mais conhecida pelo seu uso pela Apple nos seus computadores entre 1994-2006) na revisão PowerPC 750, desenvolvida nos anos 90, que tinha sido a base para consolas anteriores da Nintendo, a Wii e a Gamecube (este facto será importante mais à frente).
A parte gráfica contém um unidade de processamento AMD e é baseada na arquitetura das gráficas Radeon HD 2000/4000. A parte mais interessante deste processador gráfico é que na verdade contém duas unidades distintas, denominadas GX1 e GX2. O GX2 é a parte que já mencionei, baseada nas novas funcionalidades do, na altura, semi-recente design da AMD. O GX1 é basicamente a unidade de processamento gráfico da Wii.
Retro-Compatibilidade
Pela breve descrição técnica, conseguem deduzir que a Wii U deve ser retro-compatível com a Wii. E de facto, é. Dentro do SO da Wii U reside o SO da Wii completo (menos algumas das aplicações pré-instaladas da Wii) que corre nativamente na máquina. Com a consola ligada no menu principal, para entrar no modo Wii esta tem de reiniciar. Não há muita documentação sobre o processo, mas há algumas páginas da Web que entram em mais detalhe, se estiverem interessados.
Como o modo de Wii da Wii U é essencialmente o mesmo que ter uma Wii dentro do sistema que pode ser ativada quando o utilizador quiser, também vem com o mesmo conjunto de desvantagens da consola original. Apesar da Wii U suportar resoluções até 1080p através da saída HDMI, a Wii só suporta no máximo 480p. Mesmo tendo a Wii U ligada por HDMI, o máximo que vais ver no ecrã é a imagem na resolução original da Wii. Acessórios da Wii U não funcionam neste modo, portanto o Gamepad só serve mesmo como um ecrã espelho. Uma Wii U nova em folha não vem com acessários de Wii, logo se pretendes usá-la para tal, necessitas de gastar um pouco mais na barra de sensores, no Wiimote com Wii Motion Plus e no Nunchuck. A Nintendo, na altura, lançou um pack com todos estes acessórios juntos, mas encontrá-lo online a um preço decente é difícil.
Só a habilidade de jogar jogos de dois sistemas diferentes num só já torna a Wii U uma proposta aliciante. Mais de 2300 jogos à disposição (segundo a Wikipédia, foram lançados 1596 jogos para a Wii e 783 jogos para a Wii U). No entanto, e se eu dissesse que na verdade é possível jogar jogos de três sistemas diferentes num só? A Wii U é uma evolução do design da Wii, e por sua vez a Wii é uma evolução do design do Gamecube.
A Wii original tinha um leitor de discos compatível com os mini-DVDs do Gamecube e 4 portas para os comandos e acessórios deste. A Wii U não tem nenhuma destas características. Felizmente, graças a programadores talentosos, existe um projeto chamado Nintendont que, essencialmente, cria um hipervisor que permite correr jogos de Gamecube através de imagens dos discos originais. Estas imagens podem ser armazenadas no cartão SD ou num disco externo. Adicionalmente, podem-se usar comandos de Gamecube com o adaptador lançado pela Nintendo para Smash Bros. Tudo isto parece ser excelente. Jogar jogos de Gamecube através da Wii U por HDMI. Só há um pequeno problema: Nintendont não corre na Wii U por meios normais.
Entremos no maravilhoso mundo de homebrew!
Consola à minha maneira
Todas as consolas são normalmente vendidas a margens de lucro negativas. Ou seja, o fabricante perde dinheiro ao fabricar as consolas. O lucro vem das vendas de software. Do preço total do jogo, à volta de 30% vai para o fabricante das consolas. Isto acontece porque o software tem de ser certificado pelo fabricante para correr nas consolas. As consolas implementam mecanismos para verificar se o software a ser executado tem essa tal certificação. Sem certificação, a máquina recusa-se a correr o que quer que seja.
Nenhum sistema é 100% seguro
Sun Tzubit, A Arte do Computador
É neste cenário onde entram os hackers. No caso da Wii U, o ponto de falha veio do browser. Devido a uma vulnerabilidade, tornou-se possível executar código não assinado proveniente do cartão SD. Adicionalmente, utilizando um jogo de Nintendo DS facilmente comprado da eShop, é possível injetar código que permite executar apps e jogos não assinados pela Nintendo. Este é o ponto de entrada a partir do qual é possível executar jogos de Gamecube na Wii U. Note-se que a execução de código não assinado abre um novo mundo de possibilidades, incluindo mas não limitado a: remover restrições de região, emuladores, ports de jogos existentes e aplicações homebrew. Mesmo assim, excluindo todo este potencial, só com toda a biblioteca da Gamecube acrescem 653 jogos ao número de títulos possíveis na Wii U. Isto leva o total a bem acima de 3000 jogos.
Engraçado como uma parte significativa deste artigo foca-se mais na retro-compatibilidade da Wii U do que na consola e nos seus jogos em si. Em parte considero que este é um dos principais motivos para ainda ter uma Wii U. É a derradeira consola da Nintendo com 3 gerações de jogos excelentes disponíveis a correr (praticamente) nativamente através de uma única saída HDMI. Como todas as solução, não é perfeita. Se formos realmente esmiuçar os detalhes, não é possível jogar jogos de Wii com um comando de Gamecube e também é impossível usar o Game Boy Player com Nintendont. Considero que estes pequenos compromissos não são impedimentos à minha recomendação da Wii U para motivos de retro-compatibilidade.
Outras considerações
Curiosamente, a Wii U (e por extensão a Wii) estão bloqueadas por região. Isto significa que por meios normais, uma consola europeia bloqueia a execução de discos americanos ou japoneses. Para dizer a verdade, estas restrições não são nada de novo, mas não fazem muito sentido na era HD. Até aos inícios de 2000, a diferença entre regiões manifestava-se em diferentes standards de vídeo com resoluções e taxas de atualizações bem diferentes (as eternas batalhas do 480i vs 576i ou 60hz vs 50hz). Com a era HD, só há umas quantas resoluções implementadas em todas as televisões vendidas no globo. Para além do mais, a PS3, PS4 e Xbox One deixaram de praticar estes bloqueios regionais, tornando esta decisão da Nintendo ainda mais questionável. No entanto, isto nem é o pior. A Nintendo, na sua sabedoria infinita, decidiu bloquear o Gamepad à região da consola. Bloquear essencialmente o comando a uma região é sim uma decisão estranha. No bloqueio de jogos a uma parte do planeta até pode ser argumentado a favor devido às restrições internacionais de troca ou até a localizações específicas à cultura da região. Agora um comando não faz sentido nenhum.
Resumindo, se pretendes adquirir uma Wii U em $ano_atual
há alguns pontos que deves estar ciente:
- Se a Wii U vem sem Gamepad nem consideres a compra, visto que o Gamepad é o componente mais caro (sim, mais caro que a consola em si).
- Ambos a consola e o Gamepad têm transformadores separados para ligarem à corrente. Certifica-te que o vendedor tem estes acessórios incluídos.
- Como já mencionei, para jogar jogos de Wii necessitas de adquirir no mínimo a barra de sensores e um Wiimote. Também é recomendado teres um Nunchuck (para jogar Super Mario Galaxy é exigido) e um comando clássico para poderes jogar certos jogos menos casuais com um esquema de controlos mais tradicional.
- Se queres ter a experiência mais autêntica de Gamecube também terás de investir no adaptador de Gamecube e no comando em si.
- Ter um disco externo também é recomendado se pretenderes modificar a consola e instalar jogos em vez de usar discos (a Wii U com mais espaço só tem 32GB de armazenamento, com parte desta capacidade ocupada pelo SO). Tem em consideração que o disco externo será formatado para correr exclusivamente na Wii U onde foi ligado.
- As portas USB da Wii U não fornecem muita energia aos dispositivos (penso que à volta de 500mA). Se tiveres adquirido um disco externo compacto que usa a energia da ligação USB, também terás de adquirir um USB Splitter para ir buscar a energia extra necessária a uma porta USB adicional (ver imagem abaixo).
E com estes últimos pontos, já expus toda a informação que queria sobre a consola, fruto de meses de aquisições e muita investigação da minha parte. Espero ter elucidado umas mentes sobre esta consola. Tal como disse no título do artigo, é um investimento se pretendes utilizar todo o potencial escondido. Na minha opinião vale a pena, mas depende dos gostos de cada um e o quão sérios são sobre o hobby.
Cumprimentos!